Fugit irreparabile tempus

Eu me sinto morto, nestes últimos 28 dias, eu parei de sentir o mundo externo. Embotamento. Aprendi recentemente o que isso significa. Susan Sontag me ensinou. Mas eu acredito que o caso seja mais profundo. Enquanto os outros desviam os olhos, eu escrevo linhas em tua honra. Enquanto os vivos te amaldiçoam entre sussurros, eu aprendi a pronunciar teu nome em voz alta, com a reverência de quem encontrou sentido no fim. Tu és o altar onde repousam todas as ilusões, a lâmina que separa o que fui do que jamais serei. Teu silêncio não me assusta, é música rarefeita que afasta os gritos da eternidade. Que valor teria o nascer, senão pela certeza do fenecer? Que brilho teria o instante, senão pela sombra que o engole? A vida me assombra mais que tua presença: seus dias repetem-se como rituais sem fé, mas tu és sempre única, precisa, inviolável. Enquanto constroem templos para negar-te, eu fiz do meu corpo teu relicário. Carrego-te no peito como um sacramento: saber que existes me impede de desperdiçar a agonia que é viver. Eternidade é o exílio do sentido; tua finitude, o selo sagrado que torna cada segundo precioso. Não espero teu beijo com desespero, mas com solenidade, pois és tu, Morte, e não Deus, quem me ensinou a amar o que é breve.