“Que isolamento é esse?” — pergunto.
“É aquele que hoje reina em cada parte e, sobretudo, em nosso século — mas ainda não se concluiu internamente, nem chegou à sua hora. Porque hoje qualquer um deseja destacar sua própria personalidade, experimentar por si mesmo a plenitude da vida. E, no entanto, em vez dessa plenude, todos os seus esforços resultam apenas em pleno suicídio — pois ele afunda no mais absoluto isolamento, em vez de alcançar a plena determinação de sua essência.
Em nosso século, todos se dividiram em unidades: cada um se isola em sua toca, se afasta do outro, esconde-se, esconde o que possui — e termina afastando os outros de si, assim como a si dos outros.
Acumula riqueza isoladamente e pensa: ‘Como sou forte hoje! Como estou afastado!’ — mas o louco nem sabe que, quanto mais acumula, mais mergulha em sua loucura suicida.”
Obra: Os Irmãos Karamázov Tradução: Paulo Bezerra Editora: 34 (edição de 2012) Capítulo: Livro VI — “Um monge russo”
Ao ler este trecho de “Os Irmãos Karamázov”, de Fiódor Dostoiévski, é quase impossível não sentir um arrepio de reconhecimento, uma incômoda sensação de que as palavras, escritas em 1880, foram, na verdade, forjadas para descrever o ano de 2025. A análise do monge Zóssima sobre o isolamento ressoa com uma precisão profética na nossa era de aparente conexão total, revelando as profundas rachaduras na fundação da nossa sociedade contemporânea.
A advertência de Dostoiévski sobre um século onde “todos se dividiram em unidades” e “cada um se isola em sua toca” parece um diagnóstico preciso da nossa realidade digital. Vivemos imersos em um paradoxo: nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão sós. As redes sociais, que prometiam uma aldeia global, frequentemente se tornam “tocas” digitais. Nelas, cada indivíduo cultiva meticulosamente sua “própria personalidade”, editando a vida em uma sucessão de destaques que visam à validação externa. No entanto, essa busca incessante por destaque, em vez de promover a “plenitude da vida”, muitas vezes a substitui por uma performance. A interação genuína é trocada por um fluxo de dados, e a empatia, por reações efêmeras.
O “afastar-se do outro” descrito no texto manifesta-se de maneiras sutis e devastadoras. O trabalho remoto, acelerado e normalizado, enquanto oferece flexibilidade, também pode aprofundar o fosso do isolamento, transformando o lar, antes um refúgio, em uma unidade de produção solitária. A economia do compartilhamento, ironicamente, pode nos levar a interagir com interfaces e algoritmos mais do que com seres humanos. Pedimos transporte, comida e serviços através de aplicativos, minimizando o contato humano a uma transação funcional, despojada de qualquer laço comunitário.
A crítica à acumulação de riqueza como um caminho para a “loucura suicida” é, talvez, o ponto mais contundente da profecia de Dostoiévski. Em 2025, essa acumulação não se restringe apenas a bens materiais. Acumulamos seguidores, curtidas, contatos profissionais e experiências “instagramáveis”. Cada nova aquisição, seja um bem de consumo ou um token de status digital, é acompanhada pelo pensamento do “louco”: “Como sou forte hoje! Como estou afastado!”. Esta é a lógica do individualismo exacerbado, a crença de que a autossuficiência é o auge da força.
Contudo, Dostoiévski nos alerta que este é um caminho de autodestruição. Ao nos fecharmos em nossas “tocas” fortificadas por senhas e sucessos individuais, “afastamos os outros de si, assim como a si dos outros”. Perdemos a capacidade de conexão real, de vulnerabilidade e de compaixão, que são os verdadeiros pilares de uma vida plena. O resultado é uma epidemia silenciosa de solidão e ansiedade, um “pleno suicídio” não do corpo, mas da alma, que se definha na ausência do outro.
A busca por “experimentar por si mesmo a plenitude da vida” tornou-se um mantra da nossa época, mas, como o monge Zóssima previu, os esforços resultam no oposto. A plenitude não é encontrada no isolamento do eu, mas na comunhão, na responsabilidade mútua e no reconhecimento de que nossa humanidade só se completa na interação com o outro.
A voz de Dostoiévski fala diretamente ao nosso presente de 2025. Sua obra é um espelho implacável que nos obriga a encarar a questão fundamental: “Que isolamento é esse?”. A resposta está na própria arquitetura de nossas vidas digitais, onde cada perfil é uma fortaleza. Erguemos essa solidão em nome de uma liberdade que nos aprisiona e nos esvazia. O desafio proposto em “Os Irmãos Karamázov” nunca foi tão atual: persistiremos na construção de nossas tocas seguras e vazias ou teremos a audácia de nos reencontrar na vulnerabilidade da vida compartilhada?